Uso do indefinido «todo»...
Há gramáticos que ensinam que o pronome indefinido «todo» antecedendo o substantivo, no singular, significa «cada», quando desacompanhado do artigo; quando acompanhado do artigo, significa «inteiro».
Razão não lhes assiste.
Ao indefinido «todo», coletivo universal que corresponde ao «omnis» (cada, qualquer) ou ao «totus» (inteiro) dos latinos, sempre pospõe o artigo, qualquer que seja o sentido que se lhe dê. O artigo é um verdadeiro apêndice desse indefinido.
A distinção (com ou sem o artigo) não tem fundamento na língua portuguesa. É uma regra francesa [em francês, tem-se «tout», que pode significar «entier» (inteiro), se acompanhado do artigo; ou pode significar «chaque» (qualquer, cada), se desacompanhado do artigo - «tout le livre» (o livro inteiro); «tout livre» (qualquer livro)].
Destarte, deve-se, em português legítimo, escrever sempre com o apêndice articular, qualquer que seja o sentido do indefinido «todo», repita-se: «todo o homem faz sua história» (= cada homem faz sua história); «todo o homem foi queimado» (= o homem inteiro foi queimado).
Eis alguns exemplos que devem ser seguidos:
«Quando já não se acha a cura,
Toda a cura é por demais.» (Camões. El-Rei Seleuco) - qualquer cura...;
«Pode todo o homem vencer cada uma dessas mesmas tentações.» (Padre Antônio Vieira. Sermões) - qualquer homem...;
«Se todo o homem nasce de mulher e de homem.» (Padre Antônio Vieira. Sermões) - qualquer homem nasce...;
«E que para toda a afeição, para todo o sentimento humano julgava morto o coração cenobita.» (Almeida Garret. Viagens na Minha Terra) - para qualquer afeição, para qualquer sentimento...;
«Toda a minha vida.» (Ruy Barbosa. Cartas de Inglaterra) - minha vida inteira;
«Por toda a parte.» (Ruy Barbosa. Cartas de Inglaterra) - qualquer parte.
«...mas em todo o caso menos fria do que a princípio estivera.» (Machado de Assis. A Mão e a Luva) - em qualquer caso...;
«Todo o homem público deve ser casado,...». (Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas) - qualquer homem público...;
«...toda a gente viva do ar era da mesma opinião.» (Machado de Assis. Dom Casmurro) - qualquer gente...