CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Quando Caroá sumiu do mapa
(Herbert Haeckel)
Há gentes que não escrupulizam em ter a solércia como meio
de ganhar a vida. Não é novidade. Mas, nos dias de hoje, o que outrora era quase
exceção passou a ser absoluta regra.
Conheci a aldrabona e biliosa Robizônia Jacuacanga por
intermédio do agora desafeto Benevides Capitolino, numa visita a Caroá,
distante de Salvador quase 500 quilômetros, quando ainda mantinham um
concubinato, regido muito mais pelas desavenças do que pelo respeito e carinho,
necessários a qualquer relação.
De contributo para o fim do consórcio, há, sem dúvida
alguma, a mão obnóxia do massagista Policarpo Jacuacanga, filho de Robizônia,
que de santo somente possuía o nome, incansável em escoucear Benevides... Somente
quando Policarpo foi laborar como massagista do time de cestobol de Caroá, em
nome do amor que nutria desmesurada e secretamente pelo basquetebolista
Genebaldo Lapa, é que deixou em paz Benevides... Todavia, já não havia mais
tempo para que Robizônia e Benevides se concertassem.
Robizônia, que curou a espertina somente depois de subtrair
as mesas e cadeiras, à socapa, enquanto todos dormiam, da escola pública em que
trabalhava, conseguiu, enfim, montar a sua escola própria. Batizou-a, em
homenagem ao filho madraço, “Educandário São Policarpo”.
De início, além da própria Robizônia, foi professorar a sua
filha, Ordélia, de incurável fealdade hereditária, e que, ademais de
extremamente fedegosa, por conta da imensa carda que lhe dava falsamente um
aspeto trigueiro, era conhecida pela oneomania: não podia entrar num mercado,
pois queria levar tudo!
Paulatinamente, veio a crescer a escola, que chegou a contar
com um quadro considerável de professores, que viviam, quase todos, esfaimados
pela ausência do obrigatório estipêndio, mas sob a promessa de que tudo seria
resolvido.
Com a mudança do alcaide, à época, novos ares foram
respirados. O remoto vezo de desviar o que era público voltou a ser uma toada.
Pagas algumas dívidas, feitas outras tantas foram. Mas, o fato é que a escola
cresceu mais ainda nos quatro anos durante os quais a situação política foi
favorável a Robizônia.
Vieram novas eleições, mas o candidato, que daria
continuidade à comilagem de Robizônia, não foi eleito, obrigando-a a um jejum
prolongado na ladroíce. Como era de esperar-se, a escola empequeneceu.
Mais um pleito se aproxima e novamente crescem os olhos de
Robizônia sobre a fazenda municipal de Caroá. Pretende eleger o abigeatário Lupércio
Pequeno, que acumulou cabedal à custa de terceiros, para prefeito.
A culinarista cubana Serena Hernández, ainda dedicada aos
quefazeres na casa de Robizônia, confidenciou-me - quando me pediu para
ensinar-lhe o preparo de uma iguaria portuguesa, da fronteiriça Monção do vinho
verde da Alvarinho, às margens do Minho, feita de cordeiro assado com arroz no
alguidar em forno de lenha, de nome “Foda à Monção” – que a quadrilha já se alvorota
em lotear a prefeitura...
Como a preludiar o desastre que se debuxa, olhei agora e já
não vejo mais no mapa da Bahia Caroá!