segunda-feira, 27 de abril de 2020


CRÔNICAS - Herbert Haeckel

Há gostos para tudo
(Herbert Haeckel)

Eis, aqui, a minha confissão: não me surpreendo mais com as pessoas, mesmo quando praticam o que eu poderia classificar como insólito, ou impossível. A criatividade humana é algo impressionante. Destrói muros do aceitável, do ponderável.
Frutuoso Amuzembele saiu de Angola porque se opunha a Agostinho Neto. Também Jonas Savimbi não o aturava.
Aportou clandestinamente em terras ianques, e só não foi expulso de lá porque fugiu a tempo.
Chegou à Bahia em 1979, quando o debuxo da redemocratização no Brasil recebia seus primeiros traços. Na mala, uma calça de algodão, duas camisas, muitas cascas de pau-de-cabinda e uma lata com um punhado da terra vermelha do Cazenga, para lembrar-se da congolesa Jamila. Ah! Jamila...
Conseguiu um muquifo, ao cair nas graças da puta Analdina, na Maciel de Cima, próximo ao casarão onde morou José Sotero Maciel de Sá Barreto. Comida e cama de graça. Analdina até mudou de profissão em nome do amor a Frutuoso, e foi vender quitutes na rua do Tira Chapéu, quase a chegar na Casa dos Sete Candeeiros.
Todavia, não demorou muito para Frutuoso cuspir no prato em que comeu... Cuspiu na cama também.
Conheceu a desafinada e desenxabida cantora Eva e com ela se amancebou, para ir morar em sua casa na Fazenda Garcia.
Sem profissão, Frutuoso começa de vender folhas, raízes e cascas de árvores. Uma pequena barraca no Largo Dois de Julho, pouco a pouco, foi-lhe rendendo alguns dinheiros, a ponto de poder livrar-se da voz irritante da dissonante Eva.
Deu, enfim, este passo, e, novamente inupto, mudou-se para a Carlos Gomes.
Eva arremessou-se do Elevador Lacerda, depois de um grotesco espetáculo vespertino ao tentar cantar, embriagada, “My Funny Valentine”. Na conta de Frutuoso, dois suicídios... Analdina, anos antes, parou embaixo de um caminhão na Ladeira da Praça. Seu corpo destroçado, enquanto não chegava o rabecão do Nina Rodrigues, ficou a impedir a saída de uma viatura do Corpo de Bombeiros.
A freguesia aumentava. As empregadas domésticas das Mercês e circunvizinhança cuidavam para espalhar os atributos viris de Frutuoso, denominado por elas de “Angolano”.
Tornara-se habitual, após a propaganda boca a boca, a frequência de damas, que se faziam de honestas aos olhos da sociedade, na barraca de Frutuoso, o que o compeliu a abrir uma ervanaria na rua Ruy Barbosa, que não durou por muito tempo. O comércio de folhas foi substituído por outra atividade, muito mais prazerosa e rentável: Frutuoso passou a atender consultas divinatórias.
À porta de seu consultório, uma placa feita de madeira, escrito com letras brancas “Pai Angolano”. Ao adentrar, uma saleta com um banco de Kombi a servir de sofá para as consulentes, duas prateleiras ainda com o que restara de algumas ervas e cascas de árvores e uma secretária de sucupira. Depois da porta pintada com tinta a óleo verde, outra sala, na qual Frutuoso realizava as sessões de adivinhação, com uma mesa coberta por uma toalha branca, em que repousava uma peneira de palha, rodeada de colares de contas, com dezesseis búzios, um pedaço de morim branco, uma vela que ficava acesa somente durante as consultas e uma terrina de porcelana, comprada num antiquário próximo ao Sebo Brandão, onde eram depositadas notas graúdas de cruzeiros. Atrás da cadeira em que se sentava Frutuoso, uma outra porta, com uma cortina de miçangas coloridas, que dava para um pequeno quarto, com uma cama e uma bacia de ágata no chão, para a consulente banhar o órgão copulador, depois de experimentar os efeitos do pau-de-cabinda em Frutuoso.
A fama de Frutuoso já ia longe. Os comentários nas festas vesperais de todos os domingos do Clube Cruz Vermelha, que nenhuma relação tinha com a instituição humanitária, chegavam como notícia redentora para muitas patroas do Canela, Corredor da Vitória e Graça.
Berengária Almeirão tomou conhecimento do Pai Angolano por meio da manicura Jandira Paixão. Ao chegar em casa, teve a confirmação, pela criada Valdivina, dos predicados de Frutuoso.
Sem detença, cuidou Berengária de vestir sua melhor calcinha, despediu-se do depauperado marido que, como todo o castigo para corno é pouco, ainda se recuperava da fratura do tarso, e foi-se consultar com o Pai Angolano.
Passava um pouco das três horas da tarde, quando Berengária chegou ao consultório de Frutuoso, digo, Pai Angolano. Foi logo a dizer que não cria em superstições, em bruxarias e coisas afins, e que sua vinda tinha um único desiderato: mitigar a merencória solidão com o falo rijo de Pai Angolano.
Frutuoso tinha seus segredos. Antes de começar a consulta, sorvia meia chávena do chá de pau-de-cabinda, que lhe garantia a tão comentada e festejada virilidade.
A ver que Berengária estava mesmo decidida a pular a etapa divinatória, não restou a Frutuoso outra opção senão aumentar a dose do chá, para que houvesse, conforme imaginou, um resultado mais rápido. Em vez de meia xícara, tomou três. Mas, como se diz cá e acolá, de remédio para veneno o que muda é a dosagem!
Já por cima de Berengária, Frutuoso começa de sentir uma dor no peito e um queimor a subir para a cabeça. Não deu outra...
Após o grito, os dentes cerrados, e Frutuoso desaba por sobre Berengária, que ainda gemia de intenso prazer.
Infarto agudo do miocárdio.
Dois dias depois, já a exalar a fedorentina peculiar, foi feito o levantamento cadavérico, quando deram pela falta de uma parte do corpo de Frutuoso.
E foi inumado assim, a faltar um pedaço.
Há alguns meses, em visita à Gisela Almeirão, notei, sobre um balcão, um estojo de muiracatiara adornado com gemas de jaspe vermelho, com uma plaqueta com a inscrição “Pai Angolano”.
O taxidermista Apolinário Lisboa, que procurei dias depois, contou-me sobre a inusitada peça, trabalhada há mais de trinta anos, e como ela ficou após o castão de prata a adorná-la.
Conhecido isto, não me canso de dizer que para todas as coisas há gostos!





quarta-feira, 8 de abril de 2020


CRÔNICAS - Herbert Haeckel

Dar de Beber ao Susto
(Herbert Haeckel)

Já dizia a Mariquinhas que dar de beber à dor é o melhor...
Consegui, finalmente, uma entrevista com Eugênia de Castro. Um contato efêmero, por sua idade avançada - não sei ao certo quantos natais possuía nas contas, porque a sua vaidade não lhe permitia revelar-me tão bem guardado segredo... Mas, nos meus cálculos, mais de nove décadas haveriam de ter passado, desde o dia em que lhe deram à luz...
À entrada, um vestíbulo mal iluminado, com algumas poucas, porém bem cuidadas, plantas e o cheiro do chá a convidar-me para entrar, aguardava-me Vicente, também alfacinha como Eugênia, e que com ela veio de navio das boas terras de além-mar.
Na sala de estar, uma janela descortinava a rua calma, a apresentar-me mais proximamente as flores roxas da quaresmeira no apogeu de março, e a deixar adentrar o sublime canto entrecortado de agudos e graves de um sanhaçu-cinzento. Ao fundo, um balcão de madeira escura, e, sobre ele, uma licoreira bico de jaca, presumivelmente de cristal, ao lado de um galo de faiança portuguesa, cuja cauda fora parcialmente quebrada.
Na parede, descascada ao rés do chão decerto pela umidade, uma fotopintura de Eugênia moça, de bordas desgastadas pelo tempo... Quiçá estivesse ali para denunciar sua verdadeira idade...
À direita, um canapé de jacarandá no estilo neorrococó, com uma pequena almofada em cada uma das extremidades, repousado sobre um tapete com toda a certeza de Arraiolos.
De um dos cômodos da casa, vinha o som, quase inaudível, de um fado. Pensei, num primeiro momento, equivocadamente, tratar-se da inolvidável cantante lusíada Amália Rodrigues. Mas, não reconheci a canção, o que me levou a descartar a possibilidade de ser realmente a Rainha do Fado. Era outra Rebordão, a prima Fábia, que, desde aquele instante, imensamente me encantou.
Enfim, pude conhecer Eugênia. Sentamo-nos. Foi-nos servida uma infusão de casca de limão, numa chávena de porcelana de cores garridas.
Fiz a comprovação de que Eugênia possuía mesmo uma memória invejável. Não fora nada parcimonioso o retratista Álvaro Braga quando dela falou...
A palestra com Eugênia tinha uma razão. Soube, por intermédio do faiscador Hermínio Oliveira, que ela conhecera de perto um graduado oficial do exército brasileiro, que participou ativamente da repressão durante a ditadura militar. Daí, meu interesse, no afã de conhecer mais da história, além do que a minha prática, em defesa de anistiados políticos, restritamente me permitia conhecer.
É nas conversas de alcova, quando os obséquios carnais inspiram as mais inimagináveis inconfidências, que podemos realmente conhecer os meandros da personalidade humana.
Reputava, sinceramente, Osvaldino Santa-Fé por um homem acerbo, de uma supina rudez, sempre mal-humorado e a pregar coices em cima de todos. Uma verdadeira cavalgadura com certidão de batismo!
Por fim, já bem adiantada a hora, falei a Eugênia sobre o machão Osvaldino Santa-Fé e dos seus modos incivis, quando fui interrompido açodadamente:
- Osvaldino? Osvaldino Santa-Fé? Uma rapariga! Uma afoita e esfaimada mocinha! Uma meretriz de quinta categoria! Pedia-me emprestado um penhoar de renda e o vestia por sobre umas calcinhas esgarçadas que as guardava no quartel e as trazia sempre consigo e se deitava com o ativo Vicente, sob ameaças de mandá-lo prender e torturá-lo até a morte por subversão! Derretia-se por um priapo! Nunca vi igual! Inverti as tabuinhas da gelosia, só para espreitar o safadismo daquele pervertido paneleiro!
Espaventado com a revelação, lembrei-me da Mariquinhas... Não somente dar de beber à dor é o melhor! Ao susto, também valem umas ginjinhas!



sexta-feira, 3 de abril de 2020


CRÔNICAS - Herbert Haeckel

Nos Braços do Capeta
(Herbert Haeckel)

Paulo, o que era Saulo, já dizia, em carta de aconselhamento aos coríntios, que aquele que planta e aquele que rega têm uma só intenção, e a recompensa para cada um será proporcional ao seu próprio trabalho.
Não se imaginava Silvano de Fafião capaz de trabalhar. Quiçá porque cultuasse, com extremado esmero, o vezo de mandriar.
Antes mesmo de narrar-vos estes fatos, confesso-vos fui levado a propender para o aceitamento de que a ocasião faz, sim, o ladrão. E faz a vítima também.
Pouco antes de Dom Celso José Pinto da Silva tornar-se bispo da diocese de Vitória da Conquista, Silvano de Fafião teve um pensamento... Diz ele, para quem sempre destinou sua burla, uma revelação.
Contava com pouco mais de vinte e três anos, quando ainda perambulava pelas ruas, a aplicar arrioscas nos pacóvios, a fim de que pudesse conseguir algo para comer e, para justificar a astenia carnal, pagar pelos serviços oferecidos na Vila Mimosa. Nunca teve pendor para os lavores, como já vos disse alhures.
Iniciava-se a semana e Silvano, com o numerário arrecadado em suas trapaças, acabara de almoçar uma deleitante costela bovina no Escondidinho. Pegou a rua do Carmo até a Sete de Setembro. Na Ramalho Ortigão, foi em direção ao Largo São Francisco de Paula. A missa já estava em seu terço final. Foi a primeira vez que entrou numa igreja por sua vontade própria. Escolheu não crer em nada que não fosse ouro e cobre.
A beleza arquitetônica da Igreja da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, mais pela sua suntuosidade, encantou-o. Foi aí que decidiu fundar uma igreja sua.
Fez, para tanto, um curso de iniciação bíblica, malgrado suas crenças não avançassem além da veneração aos quinto e sétimo pecados capitais segundo Tomás de Aquino.
Seguindo a lição do astuto Romildo, o capixaba, que já amealhara considerável riqueza, Silvano, finalmente, abriu sua igreja.
Em frente ao espelho, ensaiava repetidamente, com esgares elaborados, até cansar-se, os sermões que no púlpito proferiria. Precisava parecer convincente. Conseguiu parecer.
Passaram-se os anos e com eles a remota necessidade de pequenos golpes esvaiu-se. Com o padrão de vida modificado, Silvano já possuía casa e veículo próprios, além de outros bens materiais, semelhantemente aos que lhe precederam no farisaísmo. O estelionato religioso era a principal atividade do seu promissor negócio.
Casou-se também e teve filhos, três, se me não engano, obrigando-o, mais ainda, a especializar-se na mercancia. Com isso, a imitar Oral Roberts e sua doutrina da semente, assim como o fraudador Jim Bakker, Silvano ingressa no televangelismo, passando a apresentar um programa hebdomadário. Um profícuo negócio!
Há uns três anos, o inconfidente fígaro Timóteo Simão, em um animado colóquio com o manicuro Justo Perneta, o escrivão Praxedes Faino e o barqueiro Mário Colombiano, nas bodas da rameira Jojô Carabina com o esculápio Lauro Macazzola - insciente da aquisição de consorte com oculto vício, sem direito à redibição - revelou que Silvano, malgrado vivesse a dizer que homossexual era criação de satanás, mantinha um ardente caso de amor com o travesti Morgana Cudelume, nascido Argemiro Negrão, de quem Silvano, a cotio, extorquia vultosa soma advinda do proxenetismo, além de deliciar-se nos prazeres da carne - assim, a confirmar o que disse Timóteo, narrou-me Sebastiana Macajuba, que também estava nos festejos conubiais, prestimosa auxiliar de enfermagem que aplicava a penicilina redentora nas luéticas da casa de Morgana, e que por muitas vezes tratou Silvano em suas recorrentes gonorreias.
Os dízimos já se lhe não saciavam o sobejo apetite por dinheiro. Invitou Silvano, então, os fiéis, aqueles que não possuíam a casa própria, e que eram muitos, ao que chamou de “desafio da semente”, a constituir os gérmens do maior desejo de nove entre dez brasileiros... Arrecadou muito, o bastante para passar a ter uma aeronave naquele aeródromo de Jacarepaguá. Por outro lado, como sempre, ninguém saiu do primeiro tijolo...
Recentemente, nestes tempos de compulsório isolamento social, vi Silvano de Fafião num programa de tevê, pedindo a seus fiéis que frequentassem as igrejas e que trabalhassem, pois sem trabalho, não há renda. Se não há renda, não há dízimo...
Neste momento, lamentei profundamente não existir o inferno. Se houvesse, gostaria remuito de ir para lá, somente para ter o prazer de ver Silvano de Fafião nos braços do capeta!





Pensamentos...



«Mesmo a mulher mais sincera esconde algum segredo no fundo do seu coração.» (Kant)

«Assim como se diz que a hipocrisia é o maior elogio da virtude, a arte de mentir é o mais forte reconhecimento da força da verdade.» (William Hazlitt)

«Conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela.» (Confúcio)

«A água corre tranqüila quando o rio é fundo.» (William Shakespeare)

«O repouso é bom, mas o tédio é irmão do repouso.» (Voltaire)

«Você será avarento se conviver com homens mesquinhos e avarentos. Será vaidoso se conviver com homens arrogantes. Jamais se livrará da crueldade se compartilhar sua casa com um torturador. Alimentará sua luxúria confraternizando-se com os adúlteros. Se quer livrar-se de seus vícios, mantenha-se afastado do exemplo dos viciados.» (Sêneca)

«É extremamente fácil enganar a si mesmo, pois o homem geralmente acredita no que deseja» (Demóstenes)

«Precisamos parecer um pouco com os outros para compreender os outros, mas precisamos ser um pouco diferentes para amá-los.» (Paul Géraldy)

«O que sabemos é uma gota e o que ignoramos é um oceano.» (Isaac Newton)

«Na atual sociedade, em que os valores estão invertidos, o dinheiro é capaz de comprar tudo, inclusive a verdade, a amizade e o amor. Mas, findo o dinheiro, esgotam-se, também, e ao mesmo tempo, as verdades, as amizades e os amores por ele comprados.» (Herbert Haeckel)

Curiosidades

Calcula-se que há 100 milhões de insetos para cada ser humano.

A maior borboleta do mundo é a Queen Alexandra Birdwing, encontrada numa pequena área da floresta tropical no norte da Papua Nova Guiné. A fêmea, que é maior que o macho, pode chegar a 31 cm de envergadura e ter massa de até 12kg. Está ameaçada de extinção, em razão da destruição de seu habitat natural.

O órgão sexual da aranha macha está localizado no final de uma de suas patas.

As abelhas possuem cinco olhos; três pequenos no topo da cabeça e os dois maiores na frente.

Alguns insetos conseguem viver até um ano sem a cabeça.

Uma barata pode viver até 6 dias sem a cabeça; acaba morrendo de fome, porque não tem como se alimentar.

As formigas comunicam-se por meio do olfato.

Mosquitos são atraídos duas vezes mais pela cor azul do que por qualquer outra cor.

O inseto com o maior cérebro em relação ao tamanho do corpo é a formiga.

Os mosquitos fêmeos chupam o sangue, porque necessitam das proteínas para desenvolver os ovos que carregam.

Uma asa de mosquito move-se mil vezes a cada segundo.

As moscas domésticas vivem apenas 2 semanas.

Os mosquitos causaram mais mortes do que todas as guerras juntas.

A luz dos vaga-lumes é produzida pela oxidação de uma substância química chamada luciferina na presença de uma enzima chamada luciferase, de ATP (fonte de energia) e de magnésio. A cor e o ritmo da luz variam de acordo com a espécie. O animal pode controlar a produção, a duração e a intermitência (quantas vezes acende e apaga) da luz. A luminescência é um aviso aos inimigos para que se afastem. Nos adultos, também tem a função de atrair a fêmea para o acasalamento.