CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Nos Braços do Capeta
(Herbert Haeckel)
Paulo, o que era Saulo, já dizia, em carta de aconselhamento
aos coríntios, que aquele que planta e aquele que rega têm uma só intenção, e a
recompensa para cada um será proporcional ao seu próprio trabalho.
Não se imaginava Silvano de Fafião capaz de trabalhar. Quiçá
porque cultuasse, com extremado esmero, o vezo de mandriar.
Antes mesmo de narrar-vos estes fatos, confesso-vos fui
levado a propender para o aceitamento de que a ocasião faz, sim, o ladrão. E
faz a vítima também.
Pouco antes de Dom Celso José Pinto da Silva tornar-se bispo
da diocese de Vitória da Conquista, Silvano de Fafião teve um pensamento... Diz
ele, para quem sempre destinou sua burla, uma revelação.
Contava com pouco mais de vinte e três anos, quando ainda perambulava
pelas ruas, a aplicar arrioscas nos pacóvios, a fim de que pudesse conseguir
algo para comer e, para justificar a astenia carnal, pagar pelos serviços oferecidos
na Vila Mimosa. Nunca teve pendor para os lavores, como já vos disse alhures.
Iniciava-se a semana e Silvano, com o numerário arrecadado
em suas trapaças, acabara de almoçar uma deleitante costela bovina no
Escondidinho. Pegou a rua do Carmo até a Sete de Setembro. Na Ramalho Ortigão,
foi em direção ao Largo São Francisco de Paula. A missa já estava em seu terço
final. Foi a primeira vez que entrou numa igreja por sua vontade própria.
Escolheu não crer em nada que não fosse ouro e cobre.
A beleza arquitetônica da Igreja da Ordem Terceira dos
Mínimos de São Francisco de Paula, mais pela sua suntuosidade, encantou-o. Foi
aí que decidiu fundar uma igreja sua.
Fez, para tanto, um curso de iniciação bíblica, malgrado
suas crenças não avançassem além da veneração aos quinto e sétimo pecados capitais
segundo Tomás de Aquino.
Seguindo a lição do astuto Romildo, o capixaba, que já amealhara
considerável riqueza, Silvano, finalmente, abriu sua igreja.
Em frente ao espelho, ensaiava repetidamente, com esgares elaborados,
até cansar-se, os sermões que no púlpito proferiria. Precisava parecer
convincente. Conseguiu parecer.
Passaram-se os anos e com eles a remota necessidade de
pequenos golpes esvaiu-se. Com o padrão de vida modificado, Silvano já possuía
casa e veículo próprios, além de outros bens materiais, semelhantemente aos que
lhe precederam no farisaísmo. O estelionato religioso era a principal atividade
do seu promissor negócio.
Casou-se também e teve filhos, três, se me não engano, obrigando-o,
mais ainda, a especializar-se na mercancia. Com isso, a imitar Oral Roberts e sua doutrina da
semente, assim como o fraudador Jim
Bakker, Silvano ingressa no televangelismo, passando a apresentar um programa
hebdomadário. Um profícuo negócio!
Há uns três anos, o inconfidente fígaro Timóteo Simão, em um
animado colóquio com o manicuro Justo Perneta, o escrivão Praxedes Faino e o
barqueiro Mário Colombiano, nas bodas da rameira Jojô Carabina com o esculápio
Lauro Macazzola - insciente da aquisição de consorte com oculto vício, sem
direito à redibição - revelou que Silvano, malgrado vivesse a dizer que homossexual
era criação de satanás, mantinha um ardente caso de amor com o travesti Morgana
Cudelume, nascido Argemiro Negrão, de quem Silvano, a cotio, extorquia vultosa
soma advinda do proxenetismo, além de deliciar-se nos prazeres da carne - assim,
a confirmar o que disse Timóteo, narrou-me Sebastiana Macajuba, que também
estava nos festejos conubiais, prestimosa auxiliar de enfermagem que aplicava a
penicilina redentora nas luéticas da casa de Morgana, e que por muitas vezes
tratou Silvano em suas recorrentes gonorreias.
Os dízimos já se lhe não saciavam o sobejo apetite por
dinheiro. Invitou Silvano, então, os fiéis, aqueles que não possuíam a casa própria,
e que eram muitos, ao que chamou de “desafio da semente”, a constituir os
gérmens do maior desejo de nove entre dez brasileiros... Arrecadou muito, o bastante
para passar a ter uma aeronave naquele aeródromo de Jacarepaguá. Por outro lado,
como sempre, ninguém saiu do primeiro tijolo...
Recentemente, nestes tempos de compulsório isolamento
social, vi Silvano de Fafião num programa de tevê, pedindo a seus fiéis que frequentassem
as igrejas e que trabalhassem, pois sem trabalho, não há renda. Se não há
renda, não há dízimo...
Neste momento, lamentei profundamente não existir o inferno.
Se houvesse, gostaria remuito de ir para lá, somente para ter o prazer de ver
Silvano de Fafião nos braços do capeta!
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