CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Mui amigo para sempre
(Herbert Haeckel)
Galindo Marabá não sabia pescar.
Elegeu-se deputado, com a promessa de fazer chover no cerrado durante o ano todo.
Um pequeno pecuarista, Eutérpio Goiabeira, mui amigo seu, comprou a ideia. Mandou cercar umas terras sem donos. Cercou também aqueloutras que tinham donos, depois que esses donos receberam como paga sete palmos de terra na vertical. Marabá cuidou dos pagamentos.
Eutérpio esperou por anos a chuva que viria o ano todo. Nunca veio. Vieram outras coisas. Mas, convenhamos, isto não lhes foi motivo para acabar com uma amizade!
Lá se vão quase trinta anos...
Galindo Marabá, cansado da deputança, aceita a sugestão de morar no Alvorada.
Eutérpio Goiabeira, que de pecuarista foi a banqueiro - sabe-se lá como! - não viu com bons olhos a empresa do amigo. Admoestou-o a desistir.
- Que nada, compadre Eutérpio! Eu preciso é da chave do cofre!
Malgrado fossem amigos, Eutérpio, que de trouxa nada tinha, e nem de santo, não confiava em Marabá. Eu também não confiaria numa pessoa destemperada, que tudo quer resolver no grito ou na bala, e que não gosta de pretos...
Como eu poderia deixar de contar-vos?
Um lapso de memória, confesso... Eutérpio era filho de Preta Zenaide, filha da cozinheira da casa dos Hoffmannistall. Aos catorze anos, Preta Zenaide, que ainda fazia de bonecas as espigas de milho, ficou prenhe do primogênito de Hans Hoffmannistall.
Quando pariu, o menino foi deixado numa das últimas rodas dos expostos. Mas, sempre vigiado de longe por Preta Zenaide, que no leito de morte, aos 32 anos, com tuberculose, deixou uma escritura em que passava uma porção de terra, nada parcimoniosa, que recebera em doação de seu primeiro e único amante, para o filho que não pôde amamentar.
Eutérpio recebeu somente a prenda. Em troca, deu àquela a quem não considerava mãe, mais pela cor que pelo abandono, o total desprezo.
O resto da estória vós podeis deduzir...
O fato é que Eutérpio também tinha outros planos, que justamente iam de encontro aos de Galindo Marabá.
Desfez-se a amizade.
Galindo Marabá perdeu a eleição. Ficou sem emprego. Nunca juntou nada. Sempre dizia quando lhe pediam um dinheiro: "não dê o peixe, dê a vara!" - assim mesmo, com estas palavras.
Eutérpio também não se elegeu. Ficou ministro.
Galindo Marabá passou por cima do orgulho e foi suplicar a Eutérpio Goiabeira, o ministro.
Eutérpio deu-lhe a vara. No lombo.