CRÔNICAS - Herbert Haeckel
A cada um
segundo as suas obras...
(Herbert Haeckel)
Ante a pia batismal, deram-lhe o nome Agripino Ramos.
Era o quinto de oito filhos. Aos catorze anos, era o mais velho entre os quatro
que a morte não visitou.
Seu pai despenhara-se no abismo de concreto – não
sei se é apenas uma construção metafórica, ou se realmente veio bater no chão,
despedaçando-se... Mas, tento ser fiel ao que me foi narrado.
Por injunção, virou arrimo. Único homem da casa.
Foi ser engraxate nas ruas. Perambulava pela Líbero
Badaró, ali nas cercanias do edifício Saldanha Marinho, e pela São João. E nas
proximidades do restaurante A Brasileira, onde hoje é o Guanabara, conheceu o
imigrante italiano Giulio Catafesta.
Certa vez, Agripino, para não manchar da graxa
preta a barra das calças de linho, sem água para borrifar, lambeu os sapatos de
Giulio.
Sua subserviência valeu-lhe um emprego na Catafesta
Têxtil. Virou, posso assim dizer, o braço direito de Giulio Catafesta.
Agripino, já com vinte e cinco anos, chegou a
gerente. Giulio encantara-se com Deolinda, a irmã mais nova de Agripino, que
mal completara quinze anos. Giulio qui-la. Agripino deu-lha. Em troca, o cargo
de gerente.
Dos pequenos delitos, dos tempos de rua, passou Agripino
a empreender outros de maior complexidade. Já via com mais clareza a possibilidade
de ganhos com a ilicitude. Para isso, faltava-lhe a noção de boa moral. Esperar
uma boa conduta de Agripino é esperar colheita em solo sáfaro.
Não
se lhe assentou uma gota sequer de remorso diante da notícia de que Deolinda,
depois de ser violentada por Giulio, de ser humilhada, jogara-se embaixo de um
trem na Estrada de Ferro Central do Brasil. Para desespero somente de Abílio Pereira,
cujo coração, dado em promessa a Deolinda, despedaçou-se também nos trilhos da
Central.
Tal era a subjunção de Agripino a Giulio, tal era a
promiscuidade entre ambos, já se referiam a ele como “Agripino do Catafesta”.
Conseguiu na justiça, num processo em que gastou
uma considerável soma em dinheiro, principalmente para convencer o venal juiz
Vasco Modesto, acrescer ao seu nome o Catafesta de Giulio. Passou, então, a assinar
Agripino Catafesta – sob o protesto de um e outro Catafesta, que não aprovavam
o uso do nome familial por pessoa, digamos assim, de índole contestável.
Não, meus caríssimos leitores, não é meu este juízo
de valores! Quem diz que Agripino Catafesta não é gente de boa conduta é quem o
conhece. Nunca o vi!
Agripino candidatou-se a deputado. Elegeu-se. Já
contava com invejável patrimônio, e passou a ser sua a fábrica de tecidos em
que teve o primeiro e único emprego. Giulio afirma que foi enganado...
Agripino vive nos noticiários. Contrabando,
sonegação fiscal, improbidade administrativa, crime ambiental, porte ilegal de
arma de fogo, corrupção, formação de quadrilha... Uma lista variada e quase
infindável de delitos... Por último, um balão dirigível carregado de
metanfetamina foi apreendido em uma de suas fazendas. Agripino nega peremptoriamente
que a fazenda seja sua.
Malgrado tantos crimes, Agripino segue livre e
solto, presidindo o clube de seu coração. Soube há pouco, por intermédio do
amigo jornalista Oswaldo Porto, que Agripino ameaça virar ministro.
Giulio Catafesta, hoje com 98 anos, morando num
asilo mantido pela Irmandade de São Frumêncio, falou-me
ao fim de nossa palestra, após escarrar:
- Porca
miseria! Maledetto il giorno che l’ho incontrato quello farabutto!
Fitei-o. A
cada um segundo as suas obras...