quarta-feira, 13 de outubro de 2021

CRÔNICAS - Herbert Haeckel

Quando a vi...

(Herbert Haeckel)


Confesso-vos, meus caríssimos leitores, dividir-me entre o que disseram Emanoel Viana Teles e Antônio Carlos Gomes Fontenelle Fernandes. Na poética visão, tudo e nada podem ser, mesmo, lindos e maravilhosos... Depende de onde se olha, para onde se olha e como se olha.

Mas, algo realmente me aconteceu, assim como com Teles, não somente ao cruzar a Ipiranga e a Avenida São João, ao chegar por aqui. Além da dura poesia concreta de suas esquinas haver-me impactado, principalmente, sensibilizaram-me as gentes que não conseguiram acompanhar o tempo e as ilusões do amoedado ouro, e que se perderam, e que ficaram para trás, embaralhadas em seus sonhos de uma noite quase sem fim.

A noite fria, assim como a Fernandes, ensinou-me a amar mais o meu dia, e, na mesma intensidade, fez-me amá-la também. E cada dia presente é um dia tão importante quanto aquele que está por vir, quanto aquele que é transato. Por isso, aproveitai-o!

Vi-a, pela primeira vez, sentada, solitária, a uma mesa do Sujinho, da lusitana filantropia, que salvou muita gente que quase nada possuía.

Visitaria, naquela noite, um amigo que morava no Trussardi, na Avenida São João, esquina com a Praça Júlio Mesquita, mas, antes, teria de comer algo, e o dinheiro era bastante somente para uma refeição lá, no Sujinho, em que todos eram igualmente acolhidos, onde não havia fronteiras, nem no infinito, onde, democraticamente, desvalidos, jornalistas, artistas, estudantes, intelectuais, putas, médicos, políticos ocupavam suas poucas mesas e deliciavam-se intensa e prazerosamente com o sabor da acolhedora comida como se fosse de mãe.

Da Consolação, seguiria, a pé, num trajeto que passaria pelo Cemitério da Consolação, pela Igreja de Nossa Senhora da Consolação, já na Praça Roosevelt, quando pegaria a Ipiranga, a vencer, em seguida, a Praça da República, e, na esquina do edifício Independência, das animadas mesas do Brahma, alcançaria a São João, ainda abalada pelo fogo e fumaça do prédio da Pirani, entre a Pedro Américo e a Aurora, passado pouco mais de um mês, daquele 24 de fevereiro, de uma quinta-feira de fortes ventos, em que a tragédia só não foi maior porque a ajuda veio do céu...

Detive-me naquele instante naquela belíssima imagem, quando a vi, e não me contive. Não me pude conter, é bem verdade. Fui em sua direção. Pedi-lhe licença e, antes mesmo do seu consentimento, sentei-me, apressadamente, apresentando-me a ela.

Seus olhos contristados faziam-na parecer-me, apesar disso, muito mais bonita e cativante. Os cabelos nigérrimos, realçados pela floritura branca, como diadema, escorriam, leve e naturalmente, pelo ombro, a remeter-me à deífica figura olimpiana. Os lábios de intenso rubro eram o osculatório que a boca sequiosa desejavelmente procura.

Perguntou-me sobre coisas que não soube eu responder naquela hora, como, por exemplo, se eu era alvenel ou se conhecia algum, e que só tiveram sentido para mim algum tempo depois.

Ofereci-lhe compartilhar a minha quase opípara refeição, sob o olhar pasmado do garçom, que parecia nada entender. Mas, ela recusou, a dizer-me que há muito não sentia fome...

As horas prestas, agradabilíssimas, passaram como num átimo, a ponto de deslembrar-me de meu compromisso com o amigo Nestor – mas, ele haveria de aceitar as minhas escusas!

Chegado o momento de despedir-nos, ofereci-me para acompanhá-la a casa. Recusou, inicialmente, ao que supus tentar parecer-lhe uma gentileza (com segundas intenções, hei de assumir esta minha declaração confessória!), a dizer-me ser desnecessário o esforço, sobremaneira pelo adiantar das horas, já na iminência de iniciar-se um novo dia. Todavia, com a minha insistência, limitou-se a dizer-me:

-Tu é quem sabes! Depois, não vás dizer que não avisei...

O olhar de perplexidade do casal ao lado adiu-me uma certa difidência, que me não fez desistir, entretanto, do meu desiderato.

Pusemo-nos a caminhar em direção à Praça Roosevelt. Passos lentos, como a quererem perpetuar o momento, e as mãos, não sei se adrede ou acidentalmente, que se tocavam, como se arquitetassem o inevitável, ao meu sentir, entrelace...

O ar blandífluo da noite soprava-nos a face e entregava-nos dulcíssimo aroma de flores.

Caminhei ainda alguns passos quando notei que ela parara logo atrás. Volvi-me.

- Aqui está de bom tamanho. Se quiseres, vemo-nos outra vez – disse-me ela.

Acenou-me, a despedir-se, e, fantasticamente, traspassou o muro do Consolação.

Consegui, enfim, após alguns dias, localizar sua campa, que necessitava de um conserto, para que o ataúde não mais ficasse exposto.

Talvez, para mim, não haveria importância alguma a pedra fraturada no requietório. Mas, havemos de pôr-nos no lugar do outro, mesmo em certas circunstâncias que não se nos parece habitual. Contratei um alvenel, que bom serviço prestou.

Linda Inês, então, sorriu-me, pela primeira e última vez. Nunca mais a vi.

E alguma coisa aconteceu em meu coração depois que eu cruzei a Ipiranga e a Avenida São João... E as noites? Ah, eu as amo, como amo os meus dias!

 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

 CRÔNICAS - Herbert Haeckel

No bico do urubu

(Herbert Haeckel)


Em verdade, em verdade, eu vos digo: uma mentira contada mil vezes, ao contrário do que andam a dizer por aí, não se transforma em verdade (uma mentira será sempre uma mentira), ela apenas pode adquirir o contorno da naturalidade. Tudo o que é natural é, de certa forma, aceitável, ou passa a ser aceitável, a depender de inúmeras circunstâncias.

Estava eu cá a pensar nas repercussões desta pandemia, em que se multiplicam como ratos os negacionistas, e lembrei-me de Atanasz Ingazeiro, o pastor, cuja mãe o dera à luz no prostíbulo de Jurema Sapiranga, conhecidíssima marafona de Pau de Angico, no terceiro quartel do século XX - a alcunha remetia à blefarite ciliar que a fez perder as celhas -, e que abriu seu próprio negócio, graças aos favores prestados a um ex-deputado udenista, já falecido, que, como bom burguês que era, de dia, defendia a família tradicional baiana, e, à noite, gastava seus dinheiros a explorar as putas da Ladeira da Montanha - segundo contam alguns, esse ex-deputado udenista emprenhou mais de vinte meretrizes. Na numerosa prole da putada, o pastor Atanasz.

Não muito apegado aos estudos, Atanasz conheceu a reprovação escolar logo cedo. Passava pelo menos dois anos, quando não, três, em cada série. Foi quando o ex-deputado udenista, pouco antes de morrer de doença adquirida nas noites perdidas nas esbórnias no putal, procurado por Tiana Ingazeiro, conseguiu, como retribuição a antigo obséquio, uma matrícula no Nossa Senhora de Lourdes, no bairro de Nazaré. Assim, Atanasz pôde, enfim, concluir os estudos do primeiro grau, sem necessitar, entretanto, frequentar a sala de aula, é bem verdade...

Começa de trabalhar na carniceria do Mercado Vásquez, onde conheceu Ivana Pompeu, que morava na Rua da Poeira e sonhava com a casa grande com empregados bastantes.

Para atender aos gostos da moçoila, Atanasz subtraía mercadorias, para assim vendê-las e apurar dinheiro quase suficiente para as exigências de Ivana. Foi descoberta a ladroíce e Atanasz perdeu o emprego. Não ficou preso, porquanto as peças do inquérito sumiram - há quem diga ter visto as mãos de Jurema Sapiranga, que muito acalantou o delegado Antunes Pena, nos tempos em que foi casado com a recatada Nancy, filha de proeminente político da região cacaueira, no sumiço dos tais papéis.

Ivana, muito mais sagaz, convenceu Atanasz a iniciar uma nova empresa. Fê-lo frequentar uma igreja, onde começou a especializar-se em explorar a fé alheia. Fez também Atanasz um curso por correspondência com o pastor Romildo, o capixaba, experto na arte de ludibriar incautos, que lhe acresceu a experiência de que necessitava para ganhar dinheiro à custa da ingenuidade dos que procuravam lenir seus sofrimentos, ou, como soía acontecer, à custa do enfermiço medo de arder nas labaredas do inferno por causa do amontoado de pecados - e é incrível como pessoas assim, multiplicados os bordéis disfarçados de igrejas neopentecostais, reúnem-se aos milhares e passam a adotar um padrão de comportamento: com uma bíblia debaixo do braço e a vestir uma roupa desprimorosa, esperam que todos acreditemos na remissão de seus pecados! Vede, por exemplo, Rasdna Al-Amari, que depois de enfeitar com um par de espalhafatosas guampas a fronte do fardado marido, com o contributo do cunhado, João Francês, hoje vive a segurar uma bíblia, a tentar fazer crer na sua regeneração, enquanto torce para que o marido morra e deixe para ela uma pensão.

Os reiterados saques na tesouraria do templo administrado por Atanasz fizeram com que Romildo, o capixaba, rompesse com o fino ladrão - neste meio, a concorrência é vista com maus olhos...

Com a fama de larápio adquirida, as portas das igrejas todas fecharam-se para Atanasz, que não teve outra opção senão, a imitar Silvano de Fafião, criar a sua própria igreja... É bem mais fácil do que podeis imaginar, nobilíssimos leitores! Basta um pouco de tolos e outro tanto de picaretas que fingem arrependimento e a igreja terá o seu rebanho de ovelhas... Tosquiá-las frequentemente é o imperativo para saciar o apetite pecuniário do pastor...

Passados alguns anos, desde os primevos tempos de farisaísmo, fui procurado por Atanasz, que desejava divorciar-se de Ivana, após ter ciência da tentativa infrutífera de envenená-lo. No curso do longevo processo de divórcio, já prestes a aniversariar pela oitava vez, Atanasz enviuvou.

Nossos contatos foram escasseando, até que desisti, por fim, de cobrar os devidos honorários.

Todavia, não deixei de, uma vez e outra, vê-lo na tevê durante as madrugadas, a aplicar o golpe do milagre em falsos doentes, em falsos viciados, e a dizer que a cura dependia, sempre, do quanto se tem de fé. Aí, portanto, o cerne da questão: ao afirmar que a cura dependia da fé, Atanasz, malandramente, afastava de si, com naturalidade, a responsabilidade pelo insucesso da terapêutica supostamente aplicada. Há, frequentemente, quem creia nestas farsas... E, de tanto repeti-las, tornam-se naturais.

Com a pandemia, apesar da insistência dos pastores e bispos em continuar com os cultos, para que não cessasse a ladroagem, sucumbiram ao vírus letal muitos daqueles que se diziam protegidos...

O charlatanismo de Atanasz, o pastor, com seus falsos milagres, de Romildo, o capixaba, com sua falsa água consagrada, e de tantos outros, foi escancarado, e ficou mais do que provado que igreja nada cura.

Antes de finalizar esta crônica, soube que Atanasz está, como se diz por aí, no bico do urubu: agoniza, sem esperança alguma de convalescer, num leito de cuidados intensivos...

Pensamentos...



«Mesmo a mulher mais sincera esconde algum segredo no fundo do seu coração.» (Kant)

«Assim como se diz que a hipocrisia é o maior elogio da virtude, a arte de mentir é o mais forte reconhecimento da força da verdade.» (William Hazlitt)

«Conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela.» (Confúcio)

«A água corre tranqüila quando o rio é fundo.» (William Shakespeare)

«O repouso é bom, mas o tédio é irmão do repouso.» (Voltaire)

«Você será avarento se conviver com homens mesquinhos e avarentos. Será vaidoso se conviver com homens arrogantes. Jamais se livrará da crueldade se compartilhar sua casa com um torturador. Alimentará sua luxúria confraternizando-se com os adúlteros. Se quer livrar-se de seus vícios, mantenha-se afastado do exemplo dos viciados.» (Sêneca)

«É extremamente fácil enganar a si mesmo, pois o homem geralmente acredita no que deseja» (Demóstenes)

«Precisamos parecer um pouco com os outros para compreender os outros, mas precisamos ser um pouco diferentes para amá-los.» (Paul Géraldy)

«O que sabemos é uma gota e o que ignoramos é um oceano.» (Isaac Newton)

«Na atual sociedade, em que os valores estão invertidos, o dinheiro é capaz de comprar tudo, inclusive a verdade, a amizade e o amor. Mas, findo o dinheiro, esgotam-se, também, e ao mesmo tempo, as verdades, as amizades e os amores por ele comprados.» (Herbert Haeckel)

Curiosidades

Calcula-se que há 100 milhões de insetos para cada ser humano.

A maior borboleta do mundo é a Queen Alexandra Birdwing, encontrada numa pequena área da floresta tropical no norte da Papua Nova Guiné. A fêmea, que é maior que o macho, pode chegar a 31 cm de envergadura e ter massa de até 12kg. Está ameaçada de extinção, em razão da destruição de seu habitat natural.

O órgão sexual da aranha macha está localizado no final de uma de suas patas.

As abelhas possuem cinco olhos; três pequenos no topo da cabeça e os dois maiores na frente.

Alguns insetos conseguem viver até um ano sem a cabeça.

Uma barata pode viver até 6 dias sem a cabeça; acaba morrendo de fome, porque não tem como se alimentar.

As formigas comunicam-se por meio do olfato.

Mosquitos são atraídos duas vezes mais pela cor azul do que por qualquer outra cor.

O inseto com o maior cérebro em relação ao tamanho do corpo é a formiga.

Os mosquitos fêmeos chupam o sangue, porque necessitam das proteínas para desenvolver os ovos que carregam.

Uma asa de mosquito move-se mil vezes a cada segundo.

As moscas domésticas vivem apenas 2 semanas.

Os mosquitos causaram mais mortes do que todas as guerras juntas.

A luz dos vaga-lumes é produzida pela oxidação de uma substância química chamada luciferina na presença de uma enzima chamada luciferase, de ATP (fonte de energia) e de magnésio. A cor e o ritmo da luz variam de acordo com a espécie. O animal pode controlar a produção, a duração e a intermitência (quantas vezes acende e apaga) da luz. A luminescência é um aviso aos inimigos para que se afastem. Nos adultos, também tem a função de atrair a fêmea para o acasalamento.