CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Eu sou você!
(Herbert Haeckel)
Dejair de Maria do Faro casou-se pela
quarta vez. Um desafio, quiçá...
Arrisco-me a dizer que não teve muita
sorte nas uniões anteriores - há quem diga que as guampas extravagantes que
floresceram em sua fronte não foram, sozinhas, suficientes para pôr um termo
nas relações: necessitou Dejair, em cada um dos casamentos, da ordem judicial
para afastar-se do lar. Medida protetiva.
Dejair afirmava e afirma até hoje ser
a favor da família tradicional. A socos e a pontapés, é bem verdade, defendia a
sua família tradicional...
Mas, com Chanelle, certamente seria
diferente. Conheceu-a na periferia da Capital. Ela prestava serviços. Bonita - posso,
sim, dizer que era bonita - e bem mais jovem que Dejair, solícita, dadivosa...
Conversava gesticulando Chanelle. Mãos hábeis, muito hábeis. Mãos de veludo! -
disse-me, por telefone, o inconfidente Zenóbio Timbira, suspiroso de saudade,
depois que rompeu a amizade de vinte anos com o terapeuta Oscar Barros, que
ainda não apareceu nesta história...
Dejair passava maior parte do tempo
fora de casa. Chanelle passa maior parte do tempo dentro de casa.
Dejair virou pastor. Menos tempo para
dedicar-se à consorte fogosa, digo, jeitosa. Quando em casa, gastava seu tempo
nas redes sociais, a atacar os que se colocavam contra o seu jeito de pregar na
igreja. Um vício.
Já há muito o quinhentista Luiz de
Camões falou que “o amor é fogo que arde sem se ver”... Nada mais preciso!
Chanelle queimava em labaredas da
paixão indócil. Mas, seu descompassado coração, em plena festa, como uma
bateria de escola-de-samba, já não batia sob a regência, sob a pequeníssima
batuta de Dejair...
Dejair de nada desconfiava, embora um
ou outro mui amigo cuidava para acender a desconfiança do marido distraído -
muito mais para ver o circo incendiar-se e, quem sabe, provar um pouco da
cobiçada bainha ataviada de macia pelúcia. Todavia, Dejair não era muito
inteligente - não, amigos leitores, não serei acrimoniosamente sincero, não desta
vez, ao ponto de afirmar categoricamente que Dejair era um completo asno!
Desculpai-me pela falta de sinceridade... Neste delicado momento, sinto-me
obrigado a vestir a capa da hipocrisia, tão em moda nos atuais dias!
Respeitemos a pessoa do pastor Dejair!
A maledicência macróbia! Eva, se
houvesse existido, teria sido a primeira sua vítima!
Onde estávamos mesmo? Ah, sim! O
pastor Dejair! Ainda sofrente com a apunhalada pelas costas - há quem diga que
foi facada pela frente! - agora, prestes a provar, novamente, do gosto
amaríssimo da infidelidade... Que infelicidade!
Bramia, espumante, como um animal
ferocíssimo, no púlpito da igreja, em que se mais falava de satanás que de
qualquer outro.
Ao fim do culto, muito mais cedo que
o normal, Dejair liga para sua casa.
- Alô! do outro lado, atendeu uma voz
masculina. Silêncio sepulcral.
- Quem está falando aí? perguntou o surpreso
e desconfiado Dejair. Mais um interlúdio de austero silêncio...
- Ora, ora! Eu sou você!
respondeu-lhe a voz masculina.
Dejair permaneceu calado por uns
instantes, estupefato, desorientado, até, por fim, cair na realidade nua e
crua...
- Ah, bom! Que susto a gente deu na
gente! Pensei até que fosse o Oscar! Chame nossa esposa aí!