Literatura de Cordel - Herbert Haeckel
O Brasil da Pandemia
(Herbert Haeckel)
Nestes tempos, ficar em casa manda-se...
Obedece quem tem muito juízo!
Quem não tem logo mostra
estranho viso:
Leviano, egoísta... O mal desvenda-se,
Faz-se forte, presente, e o
bem debanda-se!
E o pascácio, que não é raro,
crê
No que diz o outro lorpa na tevê:
“Gripezinha”, “e daí?”, “não
sou coveiro!”...
Assinala o boçal e
palpiteiro,
Insciente que não sabe o
abecê!
Não bastasse o palerma do
Planalto,
Que prescreve, sem ser mesmo
esculápio,
Só a ouvir seu guru com
horoscópio,
Cloroquina (a causar-me sobressalto!),
Há quem siga o bandalho de
cargo alto...
Sem ter sarna a tomar
ivermectina,
Pensa ter já cursado
medicina,
E receita também para os
amigos
E parentes, a ocultas de
testigos,
Uma, duas, três doses, na
surdina.
“Engenheiro civil! - cidadão não”...
Cuidadoso, o pacato vigilante
Viu crescer a protérvia achincalhante...
No Brasil fascistoide, sem
razão,
Tem bocó a dizer velho refrão!
“Você sabe com quem está
falando?”
Diz o parvo, de vezo
deplorando,
Quando quer parecer o que não
é:
Acredita ser nobre o pangaré,
E amiúde o patego vai
zurrando!
Multiplicam-se as gentes
apoucadas -
São sequazes do biltre
capitão;
Todos eles confiam na ilusão
Que o Jair tem diploma de "doutor"
E receita um remédio salvador!
Se faltar água tônica no gim,
Esta culpa, pois, é do
frenesim
Da moçoila estultíssima que
ensina
Como ter facilmente a cloroquina
–
Mas só serve p’ra quem come
capim!
Foi provado que igreja nada
cura,
Que pastor quer mais é juntar
milhão!
Valdemiro, o do golpe do
feijão,
Causa inveja a satã na
sinecura:
Sem milagre algum, cobra alta
fatura!
Edir, Silas, Romildo, todos
querem
O dinheiro dos tolos que
encontrarem...
Pandemia eles chamam de
histeria,
A mirar na primaz tesouraria,
E os fiéis os seus dízimos
pagarem!
Se quereis achar pouco,
tomai, pois,
Esta nova: também há o patrão,
Que, com roupa de santo, mui
ladrão,
Faz acordo ardiloso, pr’a
depois
Pagar p’ra quatro o quanto
era p’ra dois!
Franconilo,
Marcondes, Jessé, Sandro
(Desconheço quem seja o mais malandro!)...
Dai-me agora um motivo para
crer
Que há patrão bom – vou logo
vos dizer:
Nem nas fábulas (crede-me!)
de Fedro!
Também Carlos, o alcaide,
capitula...
Compromisso nenhum tem com a
vida:
Com a pena, com seu traço
homicida,
Pressionado, o decreto
reformula!
E o sabujo regente, que
bajula
O lojista e o gerente
insaciável,
Tem na mão, como chaga não
tratável,
A tristeza de quem chora o
finado,
Que o inimigo, invisível e
malvado,
Arrastou para a cova indesejável!