CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Salve-se quem puder
(Herbert Haeckel)
Astromílio
Ladeira foi quem me narrou este caso, quando de minha visita a Maniçobal. Quis
vê-lo novamente. Não pude. Hoje, somente seus ossos e cabelos persistem na
existência material. Merecido descanso!
Trinta
anos durante, empregou em seu comércio de secos e molhados o grego Nikoláos
Chronopoulos, que fugira de Peristeri, alguns anos depois de ter-se emancipado
de Atenas.
Não
sei o motivo de sua vinda para o Brasil. Mas, veio, como se diz aqui e acolá,
com uma mão na frente e outra atrás. Veio com ideias diferentes. Vestia-se com
camisas negras e punha o membro superior direito em extensão, levemente erguido
um pouco acima da cabeça. Casou-se. Constituiu família. Teve dois filhos.
Os
negócios de Astromílio iam bem. Muito bem. A cidade crescia. Descobriram-se
ouro e cobre. Veio o progresso. Com ele, veio também a necessidade de adequar o
seu promissor negócio aos ventos do desenvolvimento. Pensou em contratar mais
gentes. Contratou-as. Cogitou em abrir sua primeira filial em Senhor dos
Passos. Abriu-a.
A
situação reclamava alguém que pudesse tocar o novel negócio e que fosse de sua
integral confiança.
Nikoláos
recomendou-lhe o filho, Andros Chronopoulos - que chegara recentemente da
Capital, onde aprendera a administrar o negócio alheio - para cuidar do
estabelecimento a ser inaugurado em Senhor dos Passos. Astromílio gostou da
ideia e adotou-a. Confiou em Andros, porque motivos não tinha para dele desconfiar.
Andros,
que também gostava de camisas negras, vivia a arrotar honestidade. Tirando-o, o
que sobrava – segundo ele - era a choldra. Ninguém se salvava. Não cansava de
repetir: “ladrões incorrigíveis todos!”...
Encontraram
depois, além do ouro e cobre, pedras preciosas. Mais riquezas e progresso para
Maniçobal. Mais pessoas vinham de fora e a cidade crescia, fazendo crescer
também o comércio local... Senhor dos Passos seguia o mesmo caminho de prosperidade.
Todavia,
os negócios de Astromílio começavam de padecer. Exaustavam-se
irremediavelmente, sem aparente explicação. Os livros contábeis apontavam um crescente
endividamento. Mas, as lenitivas palavras de Andros, a sugerir uma crise
passageira e a fé em dias melhores, num malabarismo singular, embotavam a visão
de Astromílio.
Sem
que pudesse fazer qualquer coisa para evitar, Astromílio foi à falência. Os
credores caíram sobre os bens da massa falida como esfaimados abutres na
carcaça putrefata, nada lhe restando ao final do processo falimentar. Ficou a
dever ainda, é bem verdade...
Conheci-o
quando seu corpo já definhava e quase não possuía forças para continuar na
mendicância.
Andros,
que de aparente ladrão não tinha nada, possuía oculto e execrando vício.
Acumulou riqueza ladroando desde o primeiro dia até estiomenar o último centavo
de Astromílio Ladeira.
Hoje,
tem seu próprio negócio, construído a expensas do suor alheio.
Vi
Andros Chronopoulos, o atacadista, há poucos dias num botequim.
De
barbas brancas, a ostentar ouro no punho e no pescoço, aproveitou a distração
do casal da mesa ao lado e, repetindo um antigo e inabdicável hábito,
subtraiu-lhe um acepipe, dizendo, sem tardança e em tom profético:
-
Esta abominável ladroagem vai ter fim em primeiro de janeiro!
Salve-se
quem puder...