RUY BARBOSA DE OLIVEIRA. Jurista, político, diplomata, escritor, jornalista, filólogo, tradutor e orador brasileiro. Nasceu em Salvador, BA, em 5 de novembro de 1849; faleceu em Petrópolis, RJ, em 1º de março de 1923. Um dos maiores gênios da humanidade.
Oração aos Moços
(Excerto do discurso escrito em 1920, quando Ruy Barbosa fora escolhido Paraninfo da Turma de Bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo. O discurso foi lido pelo Professor Reinaldo Porchat, diante da impossibilidade de Ruy Barbosa comparecer à solenidade)
(Excerto do discurso escrito em 1920, quando Ruy Barbosa fora escolhido Paraninfo da Turma de Bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo. O discurso foi lido pelo Professor Reinaldo Porchat, diante da impossibilidade de Ruy Barbosa comparecer à solenidade)
«(...) Não, filhos meus (deixai−me experimentar, uma vez que seja, convosco, este suavíssimo nome); não: o coração não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal quanto se cuida. Há, ele, mais que um assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma, o que não vêem os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito vê. Onde pára o cérebro de ver, outorgou−lhe o Senhor que ainda veja; e não se sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem os surtos da poesia, até onde se somem os vôos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presente, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana. Quando ele já não estende o raio visual pelo horizonte do invisível, quando sua visão tem por limite a do nervo óptico, é que o coração, já esclerótico, ou degenerescente, e saturado nos resíduos de uma vida gasta no mal, apenas oscila mecanicamente no interior do arcaboiço, como pêndula de relógio abandonado, que agita, com as derradeiras pancadas, os vermes e a poeira da caixa. Dele se retirou a centelha divina. Até ontem lhe banhava ela de luz todo esse espaço, que nos distanceia do incomensurável desconhecido, e lançava entre este e nós uma ponte de astros. Agora, apagados esses luzeiros, que o inundavam de radiosa claridade, lá se foram, com o extinto cintilar das estrelas, as entreabertas do dia eterno, deixando−nos, tão−somente, entre o longínquo mistério daquele termo e o aniquilamento da nossa miséria desamparada, as trevas de outro éter, como esse que se diz encher de escuridão o vago mistério do espaço. Entre vós, porém, moços, que me estais escutando, ainda brilha em toda a sua rutilância o clarão da lâmpada sagrada, ainda arde em toda a sua energia o centro de calor, a que se aquece a essência d’alma. Vosso coração, pois, ainda estará incontaminado; e Deus assim o preserve.(...)»