CRÔNICAS - Herbert Haeckel
Fronte bicúspide
(Herbert Haeckel)
Não confio em quem superou a dose envenenada, ainda que a superação tenha sido por descuido da natureza.
O veneno ineficaz traz consigo, também, além do susto, ou temor, pela iminente morte, aos que dela têm consciência, o caráter insidioso, de que já vos falei outrora, para quem o sorveu.
Vi isso na prática.
Judas Hermengardo sobreviveu ao veneno. Não no todo. O que de humano existia foi substituído por sobeja indigência moral.
Chamou-me Judas Hermengardo para uma conversa. Dizia ter algo importante para tratar.
Como a minha índole incita-me a ajudar inclusive os escroques - que, na verdade, são os mais necessitados do auxílio moral - assenti ao seu pedido e fui ao seu encontro.
Confesso-vos também ter ficado intrigado com o nome. Mas, menos curioso do que estais agora. Acalmai-vos! Dir-vos-ei o que me disse a genitora de Judas Hermengardo, quando lhe perguntei sobre tão peculiar denominação: é o nome de um discípulo de Jesus - respondeu-me.
De tão óbvia que era a resposta, fiquei surpreso ao ouvi-la. Não me ocorreu, naquele instante, tratar-se de Tadeu, filho de Tiago, a quem a homenagem era endereçada.
Não sei se digo que foi bom ou ruim escolher aquele homenageado. Todavia, acredito piamente que foi melhor do que se escolhesse o redimido Iscariotes, que até os tempos de hoje é injustamente malhado por sua infeliz escolha.
Perdi-me no emaranhado das ideias! Ah! Lembrei-me onde estava!
Ao chegar ao encontro marcado, Judas Hermengardo já me esperava, com o imutável e indisfarçável cinismo estampado no rosto.
- Não sabe da maior! - disse-me o incorrigível mexeriqueiro, antes mesmo que eu me sentasse à mesa.
Franzi a testa, como se dissesse que não me interessava em saber do que se tratava.
Ainda que eu dissesse com todas as letras que não queria ouvir os mexericos costumeiros, não adiantaria nada! Ele vomitaria tudo, e só me deixaria ir depois que o ouvisse.
Falou-me do infortúnio de um parente próximo seu. Um primo carnal. Sua consorte havia sido flagrada em adultério, num motel de periferia. Tentaram abafar o escândalo. Entretanto, Judas Hermengardo cuidou para que a notícia se espalhasse...
Judas Hermengardo desmanchava-se em gargalhadas, como se estivesse a assistir a um grotesco espetáculo teatral, que retrata a miséria humana, em tom de zombaria.
Ouvi-o. Calado.
Disse-me, convicto:
- Mulher minha não faz estas coisas, porque eu sei doutrinar!
O telemóvel tocou. Não atendeu à ligação. Desligou.
Chamou-me para um xícara de café em sua casa. Nem sou fanático por café. Fui.
Abriu a porta de casa e pediu-me que entrasse. Entrou em seguida.
No sofá da sala, sua doutrinada esposa, como veio ao mundo, refestelava-se, absorta, nos braços do amante, suplicando:
- Rasga, Zezão! Rasga!
O veneno ineficaz traz consigo, também, além do susto, ou temor, pela iminente morte, aos que dela têm consciência, o caráter insidioso, de que já vos falei outrora, para quem o sorveu.
Vi isso na prática.
Judas Hermengardo sobreviveu ao veneno. Não no todo. O que de humano existia foi substituído por sobeja indigência moral.
Chamou-me Judas Hermengardo para uma conversa. Dizia ter algo importante para tratar.
Como a minha índole incita-me a ajudar inclusive os escroques - que, na verdade, são os mais necessitados do auxílio moral - assenti ao seu pedido e fui ao seu encontro.
Confesso-vos também ter ficado intrigado com o nome. Mas, menos curioso do que estais agora. Acalmai-vos! Dir-vos-ei o que me disse a genitora de Judas Hermengardo, quando lhe perguntei sobre tão peculiar denominação: é o nome de um discípulo de Jesus - respondeu-me.
De tão óbvia que era a resposta, fiquei surpreso ao ouvi-la. Não me ocorreu, naquele instante, tratar-se de Tadeu, filho de Tiago, a quem a homenagem era endereçada.
Não sei se digo que foi bom ou ruim escolher aquele homenageado. Todavia, acredito piamente que foi melhor do que se escolhesse o redimido Iscariotes, que até os tempos de hoje é injustamente malhado por sua infeliz escolha.
Perdi-me no emaranhado das ideias! Ah! Lembrei-me onde estava!
Ao chegar ao encontro marcado, Judas Hermengardo já me esperava, com o imutável e indisfarçável cinismo estampado no rosto.
- Não sabe da maior! - disse-me o incorrigível mexeriqueiro, antes mesmo que eu me sentasse à mesa.
Franzi a testa, como se dissesse que não me interessava em saber do que se tratava.
Ainda que eu dissesse com todas as letras que não queria ouvir os mexericos costumeiros, não adiantaria nada! Ele vomitaria tudo, e só me deixaria ir depois que o ouvisse.
Falou-me do infortúnio de um parente próximo seu. Um primo carnal. Sua consorte havia sido flagrada em adultério, num motel de periferia. Tentaram abafar o escândalo. Entretanto, Judas Hermengardo cuidou para que a notícia se espalhasse...
Judas Hermengardo desmanchava-se em gargalhadas, como se estivesse a assistir a um grotesco espetáculo teatral, que retrata a miséria humana, em tom de zombaria.
Ouvi-o. Calado.
Disse-me, convicto:
- Mulher minha não faz estas coisas, porque eu sei doutrinar!
O telemóvel tocou. Não atendeu à ligação. Desligou.
Chamou-me para um xícara de café em sua casa. Nem sou fanático por café. Fui.
Abriu a porta de casa e pediu-me que entrasse. Entrou em seguida.
No sofá da sala, sua doutrinada esposa, como veio ao mundo, refestelava-se, absorta, nos braços do amante, suplicando:
- Rasga, Zezão! Rasga!
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